23 de agosto, 2022

As pessoas, de um modo geral, não desconhecem que a prescrição é importante instituto jurídico contemplado nas legislações modernas que propicia estabilidade e segurança jurídica nas relações entre as pessoas e entre elas e o Estado porque está relacionada aos mais diferentes prazos fatais previstos nas leis do País para ajuizamentos de ações civis, comerciais, trabalhistas, fiscais, criminais, etc., destinadas à garantir ou restaurar direitos e a punir infratores.

Esse tema da prescrição  ganhou significativo espaço na mídia em meio à polêmica jurídica resolvida recentemente pelo STF sobre o alcance ou não sobre processos por improbidade administrativa ainda em andamento, desde que instaurados antes de 26 de outubro da regra que dispõe sobre a prescrição intercorrente prevista na nova lei 14.230, que entrou em vigência nessa data.

Essa nova regra dispõe que dentro de 4 anos contados da data do ajuizamento da ação a punibilidade do réu deverá ser extinta e seu processo arquivado se não tiver sido proferida uma sentença condenatória, pois, de um lado, o acusador não pode se beneficiar da inércia do sistema judicial e, de outro lado, é direito do acusado, previsto na Constituição, que o processo contra si instaurado tenha tramitação dentro de prazo razoável.

Era grande a expectativa em razão dos milhares de processos ajuizados no País por improbidade e das centenas de recursos repetitivos aguardando julgamento, até que, no último dia 19, a Suprema Corte, pela maioria de seus Ministros, decidiu, com efeito vinculante para todos os órgãos do Poder Judiciário, que a prescrição intercorrente só tem aplicação para os processos em andamento ajuizados a partir de 26 de outubro de 2021, data em que a Lei 14.230 tornou-se obrigatória.

A nosso ver, a decisão foi eminentemente política, destinada a consolidar a idéia de combate permanente à corrupção, haja vista a enorme quantidade de ações de improbidade em todas as esferas de governo e o risco de reações da sociedade com o que poderia ser visto como afrouxamento na repressão, em que pese o reconhecimento de que em muitos casos há confusão entre improbidades administrativas e meros descontroles burocráticos e até mesmo falta de informações sobre os protocolos previstos no cipoal legislativo do País.

Veja-se que o próprio  Relator destacou enfaticamente em seu voto (como o de seus colegas transmitidos pela TV Justiça) que reprimir a imoralidade no cerne do poder público” é algo imprescindível” por tratar-se a corrupção não uma causa imediata mas a causa mediata de inúmeras mortes, falta de recurso para segurança”. Segundo ele, “quem desvia os recursos necessários para efetiva e eficiente prestação dos serviços não só corrói os pilares do estado de direito, mas contamina a legitimidade dos agentes públicos e prejudica a democracia”.

É certo que a douta maioria se apoiou em argumentos jurídicos para negar efeito retroativo à prescrição intercorrente, dentre eles o de que por ser civil a ação por improbidade administrativa e não integrar o direito administrativo sancionador a ela não se aplicariam os institutos próprios e típicos do direito penal, dentre eles o da prescrição intercorrente.

A decisão foi proferida e seguramente será cumprida e respeitada, porque é assim que ocorre nos Estados Democráticos de Direito, tocando ao Poder Judiciário, nomeadamente a Suprema Corte, a relevante função de intérprete fiel da Constituição do País, considerando-se que a discussão envolvia a constitucionalidade ou não da pretensão de incidência retroativa da prescrição intercorrente.

Esse aspecto não impede, contudo, que se registre, no plano acadêmico, teórico, a perplexidade com a solução alvitrada e mais ainda com os fundamentos utilizados pela douta maioria dos Ministros da Corte Suprema. Veja-se que a em seu XL do artigo 5º, a nossa Constituição, autoriza a aplicação retroativa da lei sempre que ela “beneficiar o réu”, regra que, antes de 1988, já estava prevista em nosso Código Penal (par. ún. do art.  2º)  com clareza  meridiana:  “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Aliás, a doutrina e a jurisprudência, desde sempre, consideravam que a ação por improbidade fazia parte do direito administrativo sancionador, pois a lei de regência n. 8429 contemple penalidades para as condutas ímprobas em alguns casos mais graves que as sanções previstas no Código Penal.

A presença na nova lei 14.230 dos institutos tipicamente penais e processuais penais salta aos olhos.

Assim:

A petição inicial da ação “deverá individualizar a conduta do réu” e ser instruída “com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos”- (art. 17, par. 6º,incs. I e II) e será rejeitada quando não atentar para esses requisitos,  ou seja, nos moldes do que dispõem os artigos  41 e 395, I e III do Código de Processo Penal.

Ao Ministério Público a Lei 14.230 concede a legitimidade para celebrar acordo de não persecução civil que é em tudo análogo ao acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal!

Os conceitos de dolo e culpa mereceram destaques porque doravante só há punição por improbidades dolosas sendo que o conceito de dolo é, precisamente, o mesmo do direito penal: “Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito” (art. 1º, par. 2º)!

A regra do concurso de agentes prevista no art. 29 do CP foi repetida no art. 3º “As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”!

As sanções deverão observar o princípio penal e processual penal do non bis in idem e só poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 12, par. 7º e 9º), como decorre da garantia da presunção de inocência!

Aliás, antes mesmo dessa Lei 14.320, eram incontáveis os julgados condicionando a validade das ações por improbidade administrativa ao respeito dos mesmos princípios que regem as ações penais, dentre eles a acusação por fato certo e explícito, a prova de justa causa envolvendo autoria e materialidade do fato ímprobo, etc,

Por conseguinte, o argumento utilizado pela maioria dos Ministros do STF para negar efeito retroativo à prescrição intercorrente, qual seja, o de que a ação por improbidade é civil e não penal,  beira ao típico jogo de palavras, porque, afinal, o que importava era que fossem considerados a natureza sancionatória e os princípios do sistema jurídico em que essa ação (rotulada de civil) está topologicamente situada.

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